Tuesday, May 13, 2014

Entre livros

Estou há muito tempo para comprar um (ou talvez dois) livro(s) de culinária vegetariana, mas não passo de namorá-los na internet e folheá-los nas livrarias. O meu dilema é básico - com tantas mudanças que já fiz (de casa, país, cidade, bairro, tudo mesmo), vou deixando coisas para trás, perco outras de valor inestimável, e tenho muitos pertences em caixas e malas, aqui e no Brasil. O meu grande desafio é reunir tudo numa casa só, cada coisa no seu lugar. E, por isso, evito aumentar a quantidade de coisas que tenho - e isso inclui livros, que são os objetos que mais amo nesta vida. Tenho uma caixa com livros de valor sentimental no Brasil, uma aqui, mais uma estante pequena com os meus títulos acadêmicos e prediletos. Comprei um Kindle justamente por isso - não por estar totalmente rendida ao formato digital, mas porque é uma forma de economizar espaço em casa e em trânsito, e ler amostras de livros antes de comprá-los e desistir da leitura, como algumas vez já me aconteceu. O mesmo vale para roupas - se compro algumas peças, doo outras. Não sou minimalista, os meus hobbies e meu mundo das memórias exigem uma certa quantidade de objetos, mas evito os excessos, gosto de equilíbrio. Não tenho muito de nada, mas, por exemplo, estava com muito equipamento fotográfico e isso começou a me incomodar e consegui reduzir, a duras penas, em vendas na internet.

Voltando aos livros: livros de culinária e receitas também tenho poucos. Tenho meu caderno em que colo e escrevo receitas, meus recortes e livretos especiais que vêm com as revistas e os jornais; alguns livrinhos maltratados, recortes e cadernos da minha mãe (ela cuidava muito mal de fotografias e coisas assim, paciência, mas há um certo charme em cadernos de receitas manchados e rabiscados por crianças, os principais tenho aqui comigo, mas há uma coleção de livros de receitas da Claudia Cozinha lá no Brasil que ela colecionava, de capa dura, que quero levar para a minha futura casa), e arquivo muita coisa digitalmente numa pasta chamada, adivinhem, "Receitas". Mas comparada com as coleções de alguns foodies, a minha é bastante humilde, cabe tudo numas duas prateleiras.

Um outro motivo é o fato de que eu raramente sigo receitas à risca, faço muita coisa no olhômetro, mudo ingredientes, reduzo quantidades, invento pratos com o que tenho disponível, etc, portanto não preciso de uma bibliografia extensiva para a cozinha do dia-a-dia. Uso os livros como referência, para consultas, inspiração e conhecimento. Tenho uns dois ou três livros conceituais, como este, mas gosto mesmo é dos mais básicos como este aqui.

Um meio-termo, ou seja, um pouco mais sofisticado mas com quase tudo que você precisa aprender a cozinhar (se come de tudo, se não tem intolerâncias ou segue dietas) coisas um pouco mais interessantes, é este aqui, o meu xodó:

Recentemente, porém, contrariei um pouco essa tendência contida e comprei três livros (dois novos, um usado): um com receitas tradicionais mas sem glúten (que já mencionei), mais um do Heston (cuja temática visa iluminar a cabecinha confusa quanto a integrar as refeições da V. às nossas), mais outro sugerido pela Bela Gil (que tem a ver com a minha jornada atual de usar a alimentação como instrumento de suporte à saúde, não pretendo seguir a macrobiótica totalmente, mas sim aprender sobre ela e incorporar elementos à minha dieta), este aqui:
Portanto, mesmo com a minha coleção restrita, eu tenho o básico, e quando preciso de algo mais específico, pesquiso na net, muito nos blogs e nos sites dos chefs. Mas já faz um tempo que estou com essa necessidade de ter um livro de referência vegetariano na estante. Porque muito do prazer de usar os livros de receitas é físico. Folhear, olhar as fotos, deixar marcas de gordura e farinha nas páginas. É parte do processo, algo que a leitura e a consulta digital não proporcionam, além de gostar de uma certa distância dos gadgets na cozinha. E como quero usar vegetais de forma mais interessante que não sejam a salada básica, o a sopa-creme de vegetais e os legumes branqueados para acompanhar os peixes e carnes, mais - o PRINCIPAL - fazer a criaturinha aqui de casa e o pai dela gostarem mais das hortaliças, estou à caça da "minha bíblia", a minha fonte de inspiração. O problema é que há MUITOS títulos interessantes, mas quero algo realista, de uso prático. Na minha primeira consulta às prateleiras, os finalistas foram estes (não são necessariamente os mais geniais, mas cujas receitas achei exequíveis no dia-a-dia, com exceção dos dois últimos, que seriam o segundo livro, para um tempero mais oriental, que eu adoro), aceito sugestões, mas acho que o LEON vai ganhar (quem sabe os outros também, ao longo do tempo, encontrem o caminho aqui de casa):
(adoro esse restaurante de fast food, só fui uma vez, mas foi uma descoberta tão surpreendente, assim como a de que tinham uma coleção de livros)

6 comments:

  1. Gosto muito deste post :)
    Dos vegetarianos que indicaste só tenho o Plenty. Tenho uma longa lista de livros vegetarianos acumulados ao longo dos anos. Alguns muito bons (o Gate continua no topo juntamente com mais uns 5), uns muito elaborados mas pouco práticos e com sugestões mesmo muito pouco saudáveis (aos olhos do que hoje se defende na nutrição) e outros cópias de outros (impressionante conseguir encontrar em vários livros as mesmas receitas com as mesmas fotos - normalmente em livros sem autor identificado).
    Mas nos últimos anos deixei de os comprar (fruto de várias circunstâncias); acresce que a net acaba por dar o que procuras e não se paga nada por isso.
    Vou pesquisar na Amazon sobre as sugestões que deste :)
    Também aprecio cadernos de receitas e livros antigos anotados. O último que comprei, na Emaús, trazia, coisa que só descobri há dias, fotografias antigas da (suponho) família da anterior proprietária. Uma delas ilustrava um momento de comensalidade. Não têm legenda, logo, não faço ideia a quem pertenceram. Quando vivi em Chaves fotocopiei muitos livros antigos de receitas (das minhas entrevistadas ou de antepassadas destas). Coisas absolutamente maravilhosas. Não pelas receitas, não pela apresentação, mas pelos comentários, anotações que continham.
    A Madhur Jaffrey é a Maria de Lourdes Modesto da Índia:) A Anjum Anand é a Mafalda Pinto Leite da Índia pós moderna? :))) Fiquei curiosa em relação a esta autora que indicas (fui dar uma espreitadela no google).
    beijinhos

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  2. Olá :) Tive agora eu de ir pesquisar no Google os nomes das senhoras portuguesas :))))) Eu vi uma série atual da Maddhur Jaffrey sobre a cultura do curry aqui na Inglaterra - fortíssima -, e depois reprisaram o programa dela dos anos 1980 (ou talvez do final dos 70, ela era tinha uma aparência beeem mais jovem e já está com 80 anos) no canal Good Food por um tempo - muito vintage, todos os temperos indianos que ela usava eram em tons de laranja e castanho burro-quando-foge, nada que nos fizesse salivar. Era uma época em que havia poucas opções de especiarias e ervas por aqui, e a louça era toda em tons poucos animados também. Um programa desbotado, mas interessante como tudo que é antigo :) Eu vi uma série da Anjum há algum tempo e gostei de algumas receitas, como disse, estou à procura de algo prático, eu gosto de ideias simples que podem ser amplificadas com o tempo e o conhecimento :)
    O livro The Vegetarian Option é meio esculachado pelos leitores da Amazon, mas eu folheei e achei as receitas interessantes e fáceis, do ponto de vista - os pratos têm de servir aos três aqui em casa, e A. e V. talvez queiram algo mais carnívoro para acompanhar. Não é uma grande obra, mas é honesto :))))
    Eu só coloquei alguns aqui, acho que preciso de ir mais uma vez à livraria para pesquisar, por exemplo, não vi o livro do The Gate que tinhas mencionado, eram muitos títulos e fiquei um pouco distraída com coisas que não sabia que existiam e atraíram a minha atenção. Aliás, foi espreitar na Amazon e vi que posso comprar usado, em boa condição, por volta de 6 de libras - não tenho a menor frescura com livros usados, contanto que estejam bem conservados, ou seja, inteiros. Mas queria dar uma olhada antes, vamos ver :))))
    Acho maravilhoso encontrar anotações em livros, imagina só fotografias! Fascinante, mas como é que a pessoa que se desfez dos livros se livrou das fotos? Pena que não dá para investigar quem é a tal família, eu ia ficar curiosíssima.
    Beijinhos,

    D.

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  3. Olá Dani :)
    Eu tenho, lá na Figueira, um livro da Madhur (A Taste of India) que é muito interessante enquanto ilustração do papel que os livros de cozinha tiveram no processo de construção de uma cozinha nacional na Índia pós-colonial.
    São livros escritos em inglês e destinados a uma audiência feminina, urbana, da classe média, etnicamente diferenciada e anglofónica (também para uma audiência na diáspora) -e podem ser vistos como tradutores de processos de selecção e de reinvenção das cozinhas regionais. Esses livros contribuíram para o aparecimento de uma nova cozinha interétnica e transregional, que não pretende dissimular as suas raízes étnicas ou regionais.
    São livros que excluem as características mais extremas e exóticas para servirem uma audiência mais cosmopolita. Nos livros de cozinha nacionais ou “indianos” a região, é traduzida por um número reduzido de pratos típicos. A cozinha nacional constrói-se a partir de diversas estratégias: através de metonímias (uma tradição culinária local que representa toda a Índia); através de um tema aglutinador que permite juntar receitas com origens distintas (as especiarias, por exemplo); através da estrutura da refeição indiana que permite agregar sob o mesmo tópico (os pães, por exemplo) as receitas de contextos étnica e geograficamente distintos.
    Quando penso na evolução dos programas culinários em Portugal...passámos de registos do mais amador (Filipa Vacondeus e o seu arroz de pontas de chouriços) para concursos gastronómicos em que os concorrentes são sistematicamente insultados pelos chefs.
    Recomendo vivamente o Gate, embora seja um livro gourmet e não de refeições familiares. Mas vale o investimento. Eu também não tenho frescuras com livros usados :)

    beijinhos

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  5. Olá :) Eu não conheço o livro, nunca havia pensado na repercussão dos títulos escritos em inglês em relação à cultura indiana anglofónica, cosmopolita, etc, via livros assim tão e somente com o público britânico como alvo. Eu em todo esse tempo aqui só vim a conhecê-la quando vi a série sobre o curry recentemente. Acho que a outra série que mencionei é dos anos 70, por isso a aparência mais jovem, e da época do lançamento do primeiro livro dela.
    É curioso como os britânicos, de certa forma, apropriaram-se culturalmente dos curries indianos. Há uma nova série do Heston, em que ele aprimora e revoluciona os pratos preferidos dos britânicos, e o da semana passada foi sobre o curry (aliás, ele disse que o vindaloo foi inventado pelos britânicos e tenho certeza de que não, que vem dos portugueses em Goa, ele é tão criterioso com as referências históricas, mas acho que essa foi "comida de bola"). O discurso é sempre "o tipo de prato preferido da nação", "os curries que reinventamos", etc, etc. Eu, na minha cabecinha paranóica, acho que essa obsessão é uma ressaca pós-imperial, uma forma de reapropriação colonial, pelo menos num nível psicológico :-) Sempre me surpreende como os britânicos, em geral avessos a aventuras culinárias na própria cozinha (não estou a falar dos gourmets ou foodies, mas da população em geral), rendem-se aos temperos asiáticos e fortes.
    A relação entre os britânicos e indianos é culturalmente complexa, nunca chegou, na minha opinião, a um estágio verdadeiramente pós-colonial, por tudo que já observei aqui. Por exemplo, trabalhei com um médico de lá, que também fazia parte do exército, que não via mal na colonização, pois "quando um homem superior se coloca diante de si, você tem de obedecê-lo". Ele me disse isso e eu fiquei sem palavras.

    Vou pensar sobre o livro, estou curiosa :)

    beijinhos

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  6. Olá :)
    Eu "conheci" a Madhur (olha só a intimidade com a senhora!) quando andava a fazer pesquisa sobre os Hare Krishna. Na altura, isso serviu também como desculpa para encher a casa de livros de comida indiana. Por isso, tudo o que apanhava nas livrarias (há 15 anos ainda não era muito), comprava. O livro vale pelas receitas, mas também pelas informações históricas, sociais e culturais que contém. Foi só alguns anos depois, quando lia alguns artigos do Appadurai, é que me dei conta da importância destes livros na construção de uma ideia de cozinha nacional. Eu não conheço a cultura indiana ao ponto de poder dizer, ou não, que a comida tradicional é um elemento mais do que estruturante na identidade das pessoas. Como acontece com os portugueses (ou acontecia - a relação da geração mais nova com a comida é matéria para ser estudada). Nunca me esqueço de uma senhora que entrevistei e que me dizia que quando iam fazer campismo para o estrangeiro (isto nos anos 70, logo a seguir ao 25 de abril), levavam bacalhau e batatas de Chaves no atrelado para comerem "como deve ser".
    O livro da Maria de Lourdes Modesto (Cozinha Tradicional Portuguesa) continua a ser o grande repositório do receituário das cozinhas regionais portuguesas. Muito, também, pela etnografia que sustentou a recolha. Ou seja, seria o livro que, por exemplo, em contexto migratório, uma pessoa usaria para mostrar aos de fora da comunidade como se come no país de origem. E também para mostrar aos de dentro que se domina esse saber.
    Eu própria, se recebesse um japonês em minha casa e ele me perguntasse sobre a comida tradicional portuguesa, mostrava-lhe o livro da Maria de Lourdes Modesto :)
    A relação dos britânicos com os curries também me intriga pelas mesmas razões que apontas! Mas também admito que isso possa resultar de uma visão preconceituosa que tenho sobre o modo como se alimentam aí. Não é só fish and chips, pois não? Sempre achei que se comia muito bem no campo (pronto, admito que isto resulta dos filmes e das séries que se fizeram a partir dos romances de Jane Austen! - sabias que foi editado um livro intitulado Dinner with Mr. Darcy?). Mas estou a ler um dos livros que mate me ofereceu no aniversário e espero, rapidamente, chegar à época do Império para poder ter uma opinião mais acertada sobre o assunto dos curries :)
    Bem, essa do vindalho do Heston :) é um erro crasso! Subscrevo a tua teoria da ressaca pós-colonial :) Em Portugal, creio que a generalidade das pessoas tem uma não-relação com a comida africana. Ou são pessoas que viveram no Ultramar e mantêm uma relação afectiva com os sabores de longe (alguns restaurantes de comida tradicional portuguesa incluem na carta pratos de comida africana o que revela o passado colonial dos donos) ou é o desconhecimento total. Fora do Lisboa, onde há um número razoável de restaurantes africanos, é o deserto.
    Beijinhos

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